(O Objeto do Autoconhecimento: notas à crítica da consciência reificada e formação racial de classe através da Tradição Radical Negra.) Richard Hunsinger é um amigo de longa data que vem desenvolvendo estudos sociais e literários quanto à formação social do capital. Seus escritos desvendam pedaços deste tracejo histórico com extrema riqueza.
Original disponível aqui, acessado 01/08/2022. Traduzido por V. S. Conttren, Agosto 2022. DOI 10.17605/OSF.IO/5R2WV. Disponível em pdf aqui.
O Objeto do Autoconhecimento
Richard Hunsinger
Aqui está o verdadeiro problema do trabalho moderno. Cá está o cerne do problema da Religião e da Democracia, da Humanidade. Palavras e gestos fúteis não valem nada. Da exploração do proletariado sombrio vem o Valor Excedente filtrado de animais humanos que, em terras cultivadas, a Máquina e o poder aproveitado encobrem e ocultam. A emancipação do homem é a emancipação do trabalho e a emancipação do trabalho é a libertação daquela maioria básica de trabalhadores que são amarelos, marrons e negros.
W.E.B. Du Bois, Reconstrução Negra na América 1860-1880
Du Bois nos oferece uma formulação do modo de operação global da produção capitalista que une habilmente o abstrato e o concreto. O que é ainda mais notável nesta passagem é a brevidade com que ela atravessa o processo de formação social do valor e a necessidade objetiva de sua superação, aquele momento a partir do qual se origina a emancipação universal como o duplo movimento provocado pelas particularidades dos graus diferenciados de exploração. A continuação de nosso discurso sobre a reificação encontra aqui uma expressão na ocultação desta função diferenciadora da racialização, a Máquina e o Poder aproveitado, para a qual Du Bois chama nossa atenção. Esta teorização do Valor Excedente é a síntese da tese que abre a Reconstrução Negra na América: 1860-1880, a do caráter essencial do trabalhador negro à formação do capitalismo como sistema econômico mundial, onde, como Cedric J. Robinson esclarece, não foi como escravos que o trabalhador negro entrou neste sistema, mas como mão de obra. É nesta “mudança dos nomes das coisas” que Du Bois reconstrói as suposições de autonomia da industrialização em relação às necessidades de exploração das plantações, além do imediato aparecimento do trabalho assalariado nas complexas mediações raciais de classe que formam a materialização da supremacia branca e da superioridade racial, a partir da qual se desenvolveria o “tecido da nação, codificado por seu passado escravo.”1
Ocorre uma operação de des-fetichização que ocorre nesta linguagem, ao mesmo tempo em que constrói uma materialização da raça no desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista. Onde Lukács atribui o fenômeno da reificação não apenas à presença ou inicialmente ao efeito desintegrador da troca de mercadorias nas formas pré-modernas de sociedade, mas ao estabelecimento de uma estrutura de mercadorias que agora “penetra na sociedade em todos os seus aspectos e a [remodela] à sua própria imagem,” podemos encontrar nas intervenções historiográficas da tradição radical negra uma concretização da atualidade histórica desta subsunção da vida social na forma de mercadoria.2 A formulação de Robinson da composição orgânica do capital nesta época, aquele movimento e processo pelo qual “os trabalhadores africanos haviam sido transmutados pelos cânones perversos do capitalismo mercantilista em propriedade” e assim “a força de trabalho africana como mão de obra escrava foi integrada na composição orgânica do capitalismo manufatureiro e industrial do século XIX,” sustentando assim o surgimento de um mercado mundial extraeuropeu dentro do qual o acúmulo de capital foi conquistado para o desenvolvimento futuro da produção industrial, “traça esta subsunção de um elemento particular do corpo social globalizado em sua mediação como mercadoria.”3 Esta formação social de trabalho criador de valor é a violência concreta da abstração, pela qual o trabalho humano é substanciado por esta alienação do trabalho de suas capacidades; o Comércio Transatlântico de Escravos marca o projeto mais intencional na formação histórica mundial de um proletariado global. Continue reading “O Objeto do Autoconhecimento | Richard Hunsinger”